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  • Foto do escritorRicardo Kalil Lage

Contrato de Consórcio. Aspectos gerais

Atualizado: 20 de fev.



1 - Conceito


O consórcio consiste na associação de grupos de pessoas físicas ou jurídicas, reunidas por intermédio de uma administradora, para a constituição de um determinado capital, mediante contribuições mensais dos consorciados, objetivando a aquisição de bens ou serviços. No decurso do prazo de duração do consórcio, cada um contribuirá com valores que, somados, corresponderão ao bem ou serviço almejado, a ser disponibilizado pelo sistema combinado de sorteio ou de lances.


O contrato de consórcio é um instrumento plurilateral, que cria vínculos obrigacionais entre três partes distintas: administradora, consorciados e grupo consorciado. Nessa ordem de ideias, o art. 3º, § 2º, da referida lei dispõe: “o interesse do grupo de consórcio prevalece sobre o interesse individual do consorciado”.


Com isso, preserva-se a paridade entre os consorciados, impedindo que a vontade isolada de um membro do grupo prevaleça sobre o interesse da coletividade, sobretudo com vistas à proteção da poupança coletiva, vinculada à sua destinação final – a aquisição de determinado bem ou serviço – de sorte a não frustrar a expectativa que originou a própria formação do consórcio.


2 - Normatização


Os consórcios eram regulados de forma esparsa até o advento da Lei 11.795/2008 que consolidou a legislação, reafirmando em seu art. 6º e seguintes o poder regulamentador do Banco Central, que permanece responsável pela “normatização, coordenação, supervisão, fiscalização e controle das atividades do sistema de consórcios”.


Atualmente, a regulação e fiscalização dos grupos de consórcio são efetivadas por intermédio dos seguintes normativos:



Circular 3.432/2009: Dispõe sobre a constituição e o funcionamento de grupos de consórcio.


Circular 3.433/2009: Dispõe sobre concessão de autorização para funcionamento, transferência de controle societário, cisão, fusão, incorporação, prática de outros atos societários e exercício de cargos em órgãos estatutários ou contratuais em administradoras de consórcio, bem como sobre o cancelamento de autorização para funcionamento e para administração de grupos de consórcio.


Circular 3.501/2010: Dispõe sobre o funcionamento de componente organizacional de ouvidoria das administradoras de consórcio.


Circular 3.558/2011: Dispõe sobre a prevenção de riscos na contratação de operações e na prestação de serviços por parte das administradoras de consórcio e dá outras providências.



A Circular 3.785/2016 alterou, a partir de 01/07/2016, a Circular 3.432/2009, dando a redação atual.


3 – Taxa de Administração


Trata-se de matéria decidida no âmbito dos recursos repetitivos quando foram julgados os Recursos Especiais 1.114.604/PR e 1.114.606/PR (DJe 20/06/2012).


A controvérsia jurídica era sobre a ocorrência de abusividade ou ilegalidade na contratação da taxa de administração superior a 10% (dez por cento). Consta do voto do relator, após fazer breve cronologia história da legislação aplicável aos grupos de consórcio, que a sistemática legal afasta qualquer limite em relação às taxas de administração, que poderão ser fixadas livremente pelo próprio mercado. Para os efeitos de fixação de orientação vinculativa, ficou definido o seguinte:



1 - As administradoras de consórcio têm liberdade para fixar a respectiva taxa de administração, nos termos do art. 33 da Lei nº 8.177/91 e da Circular nº 2.766/97 do Banco Central, não havendo falar em ilegalidade ou abusividade da taxa contratada superior a 10% (dez por cento), na linha dos precedentes desta Corte Superior de Justiça.


2 - O Decreto nº 70.951/72 foi derrogado pelas circulares posteriormente editadas pelo BACEN, que emprestaram fiel execução à Lei nº 8.177/91.


3 - Descabe ao Superior Tribunal de Justiça examinar a suposta violação de matéria constitucional, porquanto enfrentá-la significaria usurpar competência que, por expressa determinação da Constituição Federal, pertence ao Supremo Tribunal Federal.


4 - Ausente o prequestionamento, até mesmo de modo implícito, de dispositivo apontado como violado no recurso especial, incide o disposto na Súmula nº 282/STF.


5 - Refoge à competência desta Corte, nos termos da Súmula nº 7/STJ, qualquer pretensão de análise de prejuízo relativo à desistência de consorciado quando dependa da efetiva prova, ônus que incumbe à administradora do consórcio.



No caso concreto julgado a taxa contratada era de 14% (quatorze por cento).

Posteriormente, foi editada a Súmula 538/STJ (DJe 15/06/2015) com o seguinte enunciado: “As administradoras de consórcio têm liberdade para estabelecer a respectiva taxa de administração, ainda que fixada em percentual superior a dez por cento”.


4 - Devolução das parcelas pagas


O Superior Tribunal de Justiça há muito consolidou a jurisprudência sobre o momento de realizar a devolução das parcelas pagas ao consorciado adimplente que resolve desistir do consórcio.


Se a restituição das parcelas pagas pelo consorciado desistente é medida que se impõe para que não haja por parte da administradora de consórcios enriquecimento ilícito, também é certo que a devolução imediata causa uma surpresa contábil ao grupo, que deve se recompor, no sentido de reestruturar o valor das prestações devidas pelos demais participantes, ou, até mesmo, acarretar a extensão do prazo de contemplação.


Além de não receber a cota mensal daquele consorciado que desiste, a devolução imediata dos valores ao consorciado desligado constitui uma despesa imprevista que acaba onerando o grupo e os demais consorciados.


Por outro lado, o consorciado que permanece vinculado ao grupo pode, porventura, ser contemplado somente ao final, quando termina o consórcio, sendo incoerente que o consorciado que se se desliga antes ostente posição mais vantajosa em relação a quem no consórcio permanece.


Com estas considerações, foi decidido no Recurso Especial Repetitivo 1.119.300/RS (DJe 27.08.2010) que é devida a restituição de valores vertidos por consorciado desistente ao grupo de consórcio, mas não de imediato, e sim “em até trinta dias a contar do prazo previsto contratualmente para o encerramento do plano”.


4.1 – Correção Monetária e Juros moratórios


De acordo com o enunciado da Súmula 35/STJ (DJ 21/11/1991), incide correção monetária sobre as prestações pagas, quando de sua restituição, em virtude da retirada ou exclusão do participante de plano de consórcio.


Em relação aos juros de mora sobre a devolução das parcelas pagas, considerando que a administradora do consórcio tem até trinta dias a contar do encerramento do grupo, o transcurso deste prazo sem a ocorrência da restituição devida implica a incidência de juros moratórios a partir do trigésimo primeiro dia do encerramento do grupo de consórcio.


Ou seja, somente depois de transcorrer o lapso temporal de 30 dias após o encerramento do grupo, sem a ocorrência da restituição, é que pode começar a incidência de juros moratórios, orientação aplicável inclusive aos casos em que o ajuizamento da demanda ocorre após a liquidação do consórcio (STJ, REsp 1.111.270/PR, DJe 16.02.2016).


5 - Documento novo para fins de ação rescisória


Foi decidido, também no âmbito dos recursos repetitivos, acerca a possibilidade de ação rescisória para rescindir acórdão proferido em ação de restituição de parcelas pagas por consorciados desistentes, considerando a Corte Superior que microfilmes de cheques nominais emitidos por empresa de consórcio configuram documentos novos aptos a permitir a propositura da ação rescindenda.


Veja-se a Ementa do respectivo julgamento:



STJ, REsp Repetitivo 1.114.605/PR e 1.135.563/PR, DJe 17/06/2013: 6. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil, a tese a ser firmada é a seguinte: "Em sede de ação rescisória, microfilmes de cheques nominais emitidos por empresa de consórcio configuram documentos novos, nos termos do art. 485, VII, do CPC, aptos a respaldar o pedido rescisório por comprovarem que a restituição das parcelas pagas pelo consorciado desistente já havia ocorrido antes do julgamento do processo originário."



No CPC/2015 o documento novo está previsto no art. 966, inciso VII: “obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”.


6 - Consorciado falecido antes do encerramento do grupo. Seguro prestamista


No contrato de consórcio, havendo a contratação de seguro prestamista, na hipótese de falecimento do consorciado deverá ocorrer a liberação imediata da carta de crédito à beneficiária.


Este foi o entendimento firmado pelo STJ no julgamento do REsp 1.770.358/SE (DJe 22/03/2019), afirmando que a beneficiária do consorciado falecido tem direito à liberação imediata da carta de crédito, em razão da quitação do saldo devedor pelo seguro prestamista contratado, independentemente da efetiva contemplação ou do encerramento do grupo.


A Lei 11.795/2008 não tem previsão específica acerca da situação de falecimento do consorciado que aderiu ao pacto prestamista, nem sobre a possibilidade de a parte beneficiária fazer jus ao recebimento da carta de crédito quando da ocorrência do óbito, não tendo o Banco Central do Brasil - órgão regulador e fiscalizador das operações do segmento – emitido nenhuma norma tratando dessa situação.


Para solucionar a celeuma a relatora considerou que se existe previsão contratual de seguro prestamista, não há lógica em se exigir que o beneficiário aguarde a contemplação do consorciado falecido ou o encerramento do grupo para o recebimento da carta de crédito, uma vez que houve a liquidação antecipada da dívida (saldo devedor) pela seguradora, não importando em qualquer desequilíbrio econômico-financeiro ao grupo consorcial.


Ressaltou-se, ainda, que a disponibilização de todo o valor da cota do falecido ao grupo de consórcio, sem a devida contraprestação por parte deste, estaria configurado o enriquecimento sem causa.


Em julgamento anterior (REsp 1.406.200/AL, DJe 2/2/2017), o Superior Tribunal de Justiça já tinha decidido que os herdeiros de consorciada falecida têm direito à liberação imediata da carta de crédito, em razão da quitação do saldo devedor pelo seguro prestamista.


As duas decisões tiveram a mesma razão de decidir, à luz da cláusula geral da função social do contrato (artigo 421 do Código Civil), observando-se a dimensão social do consórcio, conciliando o bem comum pretendido (aquisição de bens ou serviços por todos os consorciados) e a dignidade humana de cada integrante do núcleo familiar atingido pela morte do consorciado, que teve suas obrigações financeiras absorvidas pela seguradora, consoante estipulação da própria administradora.


7 – Conclusão. Sistema de precedentes


O Código de Processo Civil de 2015 consolidou o “Sistema de Precedentes”, que em rápida análise pode ser explicado como a obrigatoriedade de seguimento de decisões provenientes dos Tribunais Superiores proferidas em recursos repetitivos, bem como o respeito às súmulas dos tribunais.


Sob esta ótica da vinculação, preceitua o artigo 927 do CPC/2015: Os juízes e os tribunais observarão: (...); III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.


No mesmo sentido é o artigo 932 quando prevê que incumbe ao relator negar seguimento a recurso que for contrário a súmula dos Tribunais Superiores ou acórdão proferido em julgamento de recursos repetitivos, devendo dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária às estas mesmas hipóteses.


Especificamente quanto aos recursos repetitivos, o art. 1.039 é taxativo ao prescrever que os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada, regra complementada pelo artigo 1.040, prevendo que os processos em trâmite em primeiro e segundo grau de jurisdição deverão ser julgados com a aplicação da tese firmada pelo tribunal superior.

Portanto, não há guarida no ordenamento jurídico pátrio para a devolução imediata das parcelas pagas pelo consorciado que desiste do contrato, nem para fixação de limite na cobrança da taxa de administração pelas administradoras de grupos de consórcio, sendo possível a propositura de ação rescisória para rescindir acórdão proferido em ação de restituição de parcelas pagas por consorciados desistentes, haja vista que microfilmes de cheques nominais emitidos por empresa de consórcio são considerados documentos novos aptos a permitir a propositura da ação prevista no artigo 966/CPC.


8 - Referências


Banco Central do Brasil - Perguntas e Respostas - Consórcio: https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/perguntasfrequentes-respostas/faq_consorcios


Código de Processo Civil. Artigos 927, 932, 1.039 e 1.040.


Lei 11.795, de 8 de outubro de 2008.


Superior Tribunal de Justiça. Recursos Especiais 1.114.604/PR e 1.114.606/PR; 1.119.300/RS; 1.111.270/PR; 1.114.605/PR e 1.135.563/PR; 1.770.358/SE e REsp 1.406.200/AL.


Superior Tribunal de Justiça. Súmulas 35 e 538 .


Sistema de Precedentes - O sonho da Justiça célere continua. Necessidade de respeito às orientações firmadas pelos Tribunais Superiores: https://www.migalhas.com.br/depeso/290959/o-sonho-da-justica-celere-continua--necessidade-de-respeito-as-orientacoes-firmadas-pelos-tribunais-superiores



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